Plexus Polaire
Biografias
Através de imagens e palavras, sons e gestos, imaginação e matéria, a companhia Plexus Polaire coloca no centro da sua investigação artística a relação entre o ator-manipulador e a marioneta. Plexus Polaire agrupa uma forte equipa, com vários anos de colaboração, com novas pessoas que se juntam à companhia, consoante as criações. Aspeli criou três espetáculos no seio de Plexus Polaire: Signaux, Opéra Opaque e Cendres. Uma nova criação está em curso, Chambre Noire, uma peça sobre a feminista Valerie Solanas, inspirada no romance The Faculty of Dreams, de Sara Stridsberg, com estreia prevista em Setembro de 2017.
A norueguesa Yngvild Aspeli, criadora desta companhia em 2008, formou-se na École Internationale de Théâtre Jacques Lecoq em Paris, e na École Supérieure Nationale des Arts de la Marionnette de Charleville-Mézières (ESNAM). Trabalha como atriz e marionetista, constrói máscaras e marionetas para diferentes companhias em França, Noruega e Inglaterra. Desde Setembro de 2016, é artista associada de Le Théâtre, scène conventionnée d’Auxerre. Anteriormente, de 2012 a 2015, foi artista associada da Compagnie Philippe Genty e da MCNN, Maison de la Culture de Nevers et de la Nièvre. Yngvild decidiu sediar a sua companhia em Nevers, e depois em Auxerre, escolhendo desenvolver as artes da marioneta em ligação com o território Bourgogne-Franche-Comté, dando simultaneamente continuidade a um percurso de digressões internacionais.
Folha de Sala
Entrevista de Rute Ribeiro (FIMFA Lx) a Yngvild Aspeli
Fala-nos um pouco do teu percurso. Fizeste várias formações até entrares na École Supérieure Nationale des Arts de la Marionnette de Charleville-Mézières (ESNAM). Como se iniciou o teu interesse pela marioneta?
Eu sempre gostei de construir e esculpir e, na Noruega, frequentei uma escola secundária especializada em música, dança e teatro. Também fiz um ano de confeção de figurinos antes de ir para Paris estudar na École Internationale de Théâtre Jacques Lecoq, por isso, construir e criar sempre fez parte da minha expressão pessoal. Na escola Lecoq o trabalho de ator é o foco principal, mas também temos de fazer máscaras, figurinos e diferentes criaturas. Eu adorava esta parte, e descobri que o aspeto visual do trabalho expandia a linguagem teatral de uma forma que realmente correspondia ao trabalho que queria fazer. Para poder desenvolver este know-how, candidatei-me à ESNAM, em Charleville, e os três anos que ali passei permitiram-me descobrir a riqueza e a arte da marioneta. A minha formação como atriz, bem como de a marionetista, faz com que a relação entre ambas seja central na minha pesquisa. Estou interessada em como os atores, os marionetistas, a música, a cenografia e as luzes podem criar juntos uma linguagem teatral alargada.
Como surgiu a ideia para criares Cendres? Está relacionado de alguma forma com a tua vida pessoal ou o teu país natal, a Noruega?
Cendres [Cinzas] é inspirado num romance do escritor norueguês Gaute Heivoll. O livro é baseado numa história verdadeira que aconteceu na aldeia onde Heivoll nasceu, e ele reescreve livremente a história do piromaníaco como um paralelo à sua própria vida. Ao fazer isto, a loucura dentro de cada ser humano torna-se visível. O romance de Gaute Heivoll capta de uma forma muito bonita a fronteira desfocada entre facto e ficção, entre ser normal e ser louco, entre criatividade e destruição, e era precisamente isto que eu queria fazer no palco.
Inspiraste-te só no livro ou que mais pesquisas fizeste e como foi o processo de criação?
Estou a trabalhar sobre como traduzir o que é próprio do material textual – as palavras, o modo como é formulado, o ritmo, a atmosfera -, numa linguagem visual, onde a história é expressa através de imagens, situações e, o mais importante, através da utilização de marionetas. O espetáculo não é uma adaptação do livro, mas uma peça inspirada em outra peça de arte. Assim, mesmo que o espetáculo respeite totalmente o romance original, é a minha versão pessoal da história; como eu a contaria, usando a minha linguagem que é o teatro visual. O espetáculo é desenvolvido “no chão”, através de inúmeras improvisações baseadas em imagens ou situações que eu gostaria de experimentar. Os atores-marionetistas são todos cocriadores neste processo e há um constante movimento de ida e volta, entre o palco e a oficina, de forma a poder ir construindo os protótipos para as marionetas e tentar encontrar as soluções técnicas necessárias para contar a história.
Foste artista associada de Philippe Genty. Podes falar-nos um pouco dessa experiência?
Depois de Charleville tive a oportunidade de ser uma artista “en compagnonnage” com a companhia Philippe Genty. Este é um programa em que um jovem artista tem por “mentor” um artista experiente, com o objetivo de o ajudar na transição para a vida profissional. Para além do acompanhamento artístico, o programa também dá apoio administrativo para te ajudar a começar, o que é de grande valor quando acabas de sair da escola e não sabes muito bem como as coisas funcionam. Foi também uma experiência incrível poder ajudar na criação do espetáculo Forget me not, e aprender a fazer parte da sua enorme e altamente qualificada equipa. Philippe Genty e Mary Underwood são pessoas e artistas belos, generosos, curiosos e sinceramente interessados, e também foi fantástico ter o seu feedback durante a criação de Cendres.
És encenadora, constróis marionetas e também és manipuladora. Gostas de combinar as marionetas e as outras artes? Qual é a tua visão atual da marioneta?
A marioneta é uma forma que está constantemente a reinventar-se. É cruzar sem medo as fronteiras de outras formas de arte, para além da manutenção de uma tradição e uma arte viva. Isto cria uma expressão artística expandida que vai para lá do “género”. A marioneta não é apenas uma forma, é uma maneira de ver o mundo, uma linguagem, um estado de espírito.
A tua equipa neste espetáculo e, poderei dizer, na tua companhia, é composta por várias nacionalidades. Como tem sido a organização de todo o trabalho e as influências recíprocas?
É um verdadeiro desafio organizar ensaios e digressões com uma equipa internacional, mas também enriquece o processo. É importante para mim que o trabalho possa comunicar para além das barreiras linguísticas, e usar para isso o poder da marioneta. A equipa é composta por artistas que eu admiro e com quem gosto de trabalhar. Atores, músicos, técnicos e criadores estão todos a colaborar, coletivamente, na criação do espetáculo. Fazer teatro é um desporto de equipa…
Este espetáculo teve casas cheias em Chicago, Londres, e tem andado por todo o mundo, gostarias de dizer mais alguma coisa sobre ele, ou como esperas que os portugueses reajam?
Esta vai ser a nossa estreia para o público português, por isso estou muito curiosa por ver quais serão as reações. Estamos muito ansiosos por atuar em Lisboa, e fazer parte deste maravilhoso festival!
O teu próximo projecto vai levar-nos ao encontro de Valerie Solanas, que tentou assassinar Andy Warhol. Vais estar sozinha em palco? Também te inspiraste num livro, neste caso, The Faculty of Dreams, de Sara Stridsberg. Queres falar-nos um pouco desta nova criação?
O romance de Sara Stridsberg é uma fantasia literária em torno da vida de Valerie Solanas, e está escrito numa linguagem que muda constantemente, entre ser poética, provocadora, cómica e trágica. É um livro que me tocou profundamente na primeira vez que o li, porque consegue realmente comunicar a complexidade da vida e do ser humano. Conta-nos a história de uma pessoa controversa que é fascinante na sua vida cheia de contrastes; feminista e prostituta, a brilhante estudante de psicologia que passou metade da sua vida dentro de instituições mentais. Mas para além de tudo isto, vemos um ser humano, a lutar pela sua vida, pela sua identidade e por um lugar na sociedade. Devido à sua extrema complexidade e pluralidade, Valerie Solanas mostra-nos uma imagem superexposta de nós próprios e da nossa sociedade.
Chambre Noire é um duo com a percussionista Ane Marthe Sørlien Holen, e será como uma espécie de alucinação selvagem em torno do leito de morte de Valerie Solanas, representada por uma marioneta de tamanho humano, com música ao vivo, humor negro, projeções de vídeo e um deserto de solidão… O espetáculo vai estrear no Nordland Visual Theatre em Stamsund, na Noruega, no dia 1 de Setembro, antes da sua estreia francesa, no Festival Mondial des Théâtres de Marionnettes de Charleville-Mézières.
Sinopse
Atores, marionetas de tamanho humano e projeções de vídeo reúnem-se neste emocionante espetáculo de teatro visual inspirado em acontecimentos reais e no romance best-seller norueguês Before I Burn de Gaute Heivoll.
Cendres relata a história de um incendiário que assola a aldeia Finsland, no sul da Noruega, nos anos 1970. Ao mesmo tempo que as casas são reduzidas a cinzas, o pânico espalha-se e os vizinhos questionam quem, entre eles, poderia causar tanto medo e angústia. Anos mais tarde, um jovem escritor é assombrado por esta história.
Repleto de imagens inesquecíveis, a companhia Plexus Polaire dá corpo à complexidade do ser humano, traduzindo os sentimentos mais íntimos e ocultos, através de imagens e palavras, da imaginação e da matéria, numa manipulação excecional. Um espetáculo poético e brutal sobre a alma humana e as suas constantes oscilações, entre criação e destruição.