Cecilia Bengolea & François Chaignaud
Gender Trouble
Folha de Sala
François, como é que tu e a Cecilia se conheceram?
François Chaignaud: Conhecemo-nos em França, enquanto estudávamos e estávamos envolvidos em pensamentos e processos semelhantes. Lembro-me de que a primeira coisa que nos juntou foi a nossa determinação comum em protestar contra leis contra os trabalhadores do sexo. Sentimos que tínhamos de defender a legalidade e a dignidade de quaisquer gestos, quaisquer corpos e quaisquer modos de usar e encenar o próprio corpo por parte de um bailarino, acompanhante ou intérprete de striptease.
Cecilia Bengolea: Na Argentina [de onde é natural Cecilia], a dança contemporânea não tem uma identidade própria. Copia a dança moderna e pós-moderna europeia e norte-americana e é frequente faltar-lhe humor. Quando conhecemos o François, estávamos cansados dos corpos puritanos neutralizados da dança contemporânea que dominavam. Queríamos criar identidades fluídas, como bailado punk, e danças sexuadas.
Falem-nos de Say yes to another excess… TWERK. Como é que surgiu a ideia?
CB: Eu queria criar uma dança cheia de danças diferentes, sem um vocabulário contemporâneo, mas influenciada por todas as danças de rua que eu andava a praticar. Voguing, dancehall, dança house. Mas não copiámos os passos dessas danças. Criámos movimentos inspirados na intensidade e ritmos da dança de rua.
FC: Veio de tantos sítios diferentes, mas um deles era confiar na dança, combinar diferentes tipos de expressões coreográficas, de contextos e histórias variados. Esta peça acolhe todo o tipo de formas, oriundas, em pé de igualdade, da dança clássica, dança moderna e pós-moderna, dança house, twerk etc.
O twerk tornou-se numa palavra algo problemática, ficando associada a músicos brancos que se apropriam da cultura negra de forma negativa. Estavam conscientes disso quando deram o nome ao espetáculo? Se foi o caso, que comentário é que estão a fazer?
FC: Na primavera/verão de 2012, quando surgiu o título para a nossa peça, a palavra era muito, muito menos conhecida. Na verdade, fomos buscá-la a uma canção da artista norte-americana Lady (Twerk), que a Alex Mugler, uma das bailarinas, nos mostrou. Mais ou menos um ano após estrearmos a peça, surgiu a polémica toda. Levantou a questão importante do valor diferenciado que se atribui a culturas diferentes dependendo de onde têm origem. Isso também é verdade no mundo da dança. A nossa peça tenta desmantelar essas segregações e desigualdades.
CB: Não penso em propriedade, na dança. É diferente no mundo da arte, onde o mercado é um dos agentes mais importantes. Na dança, o movimento pertence a quem o conseguir ativar. Não acho que os brancos sejam donos do bailado e os negros de abanar o rabo. Isso é outra forma de culpa e discriminação pós-colonial. Vou frequentemente a Kingston, na Jamaica, e os bailarinos do estilo dancehall querem ter direitos de autor dos seus movimentos, mas não é possível. Toda a gente os pode copiar do YouTube e expressar algo diferente com eles.
Say yes… tem sido descrito como provocador e sexualmente explícito. O que é que esperam desafiar/mudar/discutir no vosso trabalho?
FC: Não há nenhuma obsessão sexual no nosso trabalho. Mas também não há qualquer negação sexual. A história das relações entre dança e sexualidade é longa. Aceitamos isso da mesma maneira que aceitamos a faceta espiritual da dança ou o potencial especulativo formal da coreografia. Não gosto do facto de a expressão de sexualidade parecer sempre situar-te num lugar especial, separado do mundo.
CB: É verdade, não almejamos ser explícitos. Acontece que o corpo já é explícito. E dançamos com ele todo. O rabo pode ser visto como o gueto do corpo e nós também o pomos a falar (como RAP – Ritmo Ânus Poesia), neste espetáculo.
excerto de entrevista publicada na revista i-D, fevereiro 2015
Menores 30 anos: 5€
Sinopse
Desde a adolescência que Cecilia Bengolea e François Chaignaud frequentam discotecas, de Londres a Nova Iorque, andando de clube em clube como se de centros de pesquisa antropológica se tratassem. Foi deste modo que se familiarizaram com novas formas de dança, como o jamaican dancehall, o krump, o house ou o split & jump. Formas distintas, mas que conservam em comum um espírito de diálogo com a música e com as técnicas e as ideias que as determinam.