Rui Catalão com Sandra Faleiro
Pertencer. O lugar do artista
Sinopse
“Conrad, Nabokov, Naipul — são escritores conhecidos pela forma como conseguiram promover cruzamentos entre linguagens, culturas, países, continentes e até civilizações. Os seus imaginários sempre foram alimentados pelo exílio, enriquecidos não por uma ideia de raízes, mas sim de um desenraizamento; a minha, no entanto, requer que eu permaneça na mesma cidade, na mesma rua, na mesma casa, a contemplar a mesma vista da janela. O destino de Istambul é o meu destino: estou ligado a esta cidade porque foi ela que fez de mim o que sou.”
Orhan Pamuk, Istanbul. Memories of a City, 2005
Num tempo caracterizado por migrações globais e trabalho deslocalizado, a criação artística está a sofrer alterações profundas nas suas condições de produção e distribuição. Cada vez mais artistas criam a sua obra longe do seu país de origem, através de programas de residências artísticas, por convite de coprodutores estrangeiros ou simplesmente porque decidiram emigrar. Outros tecem teias de parentesco artístico com criadores que vivem e trabalham a grandes distâncias ou assumem com toda a naturalidade que as suas obras serão usufruídas por públicos de países e culturas diferentes dos seus. A criação contemporânea opera numa escala supranacional e a velha afirmação de que os artistas pertencem à pátria e representam a sua cultura perdeu validade.
No entanto, há qualquer coisa de inalienável na criação artística, algo que não se deixa deslocalizar ou internacionalizar. Seis artistas convidados demonstram de variadas formas e através dos seus próprios percursos como, também nas artes, tornou-se inevitável repensar o conteúdo da palavra “pertencer”.
Passei a minha infância a tentar aprender que lugares e pessoas eram aquelas a que pertencia. Com a adolescência passei a recusá-las, substituindo-as por “influências” em que julgava entrever a minha imaginação. Os primeiros anos da idade adulta pautaram-se por modalidades de dissidência. Descobertas aparentes. Seguiram-se os anos de fuga ou apenas de ausência. Expedições fantasistas. Teletransportes de negação em negação. Chego aos quarenta anos e foram esses mesmos lugares e pessoa que deixei para trás que me lançaram até aqui. As coisas a que pertenço estão agora do outro lado – não pertencem a este tempo.
Rui Catalão