João Fiadeiro
Bios
João Fiadeiro pertence à geração de coreógrafos que emergiu no final da década de oitenta e que deu origem à Nova Dança Portuguesa. Em 1990 fundou a RE.AL, estrutura que se dedica à criação, programação e residências artísticas. Entre 1995 e 2003 colaborou com os Artistas Unidos enquanto responsável pelo “movimento dos actores”, tendo encenado para essa companhia S. Beckett, S. Kane e J. Fosse. Entre 2011 e 2014 co-dirigiu, com a antropóloga Fernanda Eugénio, o centro de investigação AND_Lab em Lisboa, uma plataforma de formação e pesquisa na interface entre criatividade, sustentabilidade e quotidiano. A sua prática atual gravita em torno da investigação e aplicação do método de Composição em Tempo Real, um sistema composição e improvisação desenvolvido e sistematizado por si desde 1995, sendo atualmente estudado, desenvolvido e utilizado por diversos artistas e investigadores. Essa prática acontece em colaboração com as mais diversas disciplinas e tem-no levado a orientar com regularidade workshops em programas de mestrado e doutoramento em escolas e universidades portuguesas e estrangeiras. João Fiadeiro está neste momento a fazer um doutoramento em Arte Contemporânea no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra.
Adaline Anobile nasceu na Suíça e vive em Bruxelas. Estudou Design de Têxtil antes de prosseguir a sua investigação em dança e completar um Mestrado em Coreografia no ex.e.r.ce, em Montpellier. Trabalha como performer e coreógrafa, participando em projetos colaborativos e interdisciplinares, que incluem as artes visuais e a filosofia. O seu trabalho foi apresentado na Europa e nos Estados Unidos.
Carolina Campos é brasileira e vive em Lisboa. É licenciada em Comunicação e pós-graduada em Fotografia. Começou a trabalhar em dança em 1998 na Cia Municipal de Caxias do Sul. Entre 2007 e 2011 foi bailarina na Lia Rodrigues Cia de Danças, no Rio de Janeiro. Trabalha na área de programação e coordenação e colabora com outros artistas em projetos de criação. Colabora desde 2012 com o coreógrafo João Fiadeiro na investigação da Composição em Tempo Real e na coordenação da RE.AL.
Colin Legras é suíço-francês e vive em Bruxelas. Estudou história de arte, cinema, fotografia e técnica de ferreiro. Depois de trabalhar num arquivo fotográfico de um jornal francês, ser eletricista em filmes de curta-metragem na Bélgica e carpinteiro na zona rural do mesmo país, há mais de 20 anos que, na Bélgica, França e Suíça, desenha a luz de concertos de música e de peças de teatro e de dança contemporânea.
Daniel Pizamiglio nasceu no Brasil e vive em Lisboa. Formou-se em dança pelo Curso Técnico em Dança de Fortaleza, onde colaborou com diversos artistas brasileiros e deu início ao seu trabalho enquanto intérprete e criador. Como intérprete, destaca a sua colaboração com Andréa Bardawil, Cláudia Dias e João dos Santos Martins. Desde 2012 colabora com o coreógrafo João Fiadeiro na investigação da Composição em Tempo Real. É aluno do Programa de Estudo, Pesquisa e Criação Coreográfica – PEPCC/ Fórum Dança.
Ivan Haidar é argentino e no seu país trabalha no campo da performance e da pesquisa teatral. É membro do grupo “Vuelve en Julio” e do festival DANZAFUERA. Recebeu apoio de várias instituições, entre elas, o Instituto Nacional de las Artes, o Prodanza e o Fondo Nacional de las Artes. O seu trabalho já foi apresentado na Índia, Suíça, Espanha, Inglaterra, Japão, Brasil, Uruguai e Chile, entre outros.
Márcia Lança nasceu em Beja e estudou dança e antropologia. Como intérprete e cocriadora colaborou com João Fiadeiro, Cláudia Dias, Olga Mesa, João Calixto, Nuno Lucas, Aniol Busquets e Tiago Hespanha, entre outros O seu trabalho foi produzido e apresentado no Negócio /ZDB, Teatro Nacional de Riga, SpielArt Festival, Maria Matos Teatro Municipal, Culturgest e Teatro Municipal de Portimão. Em 2006 recebeu o primeiro prémio do Programa Jovens Artistas Jovens /CCB. Em 2008 funda a VAGAR – Associação Cultural, da qual é diretora artística.
Folha de Sala
Texto 1
Time present and time past
Are both perhaps present in time future
And time future contained in time past.
If all time is eternally present
All time is unredeemable.
S. Eliot
O que fazer daqui para trás posiciona-se entre a dúvida e a possibilidade, onde o não-dito é mais importante do que aquilo que se diz, onde a ausência se sobrepõe à presença e onde o drama não vem do teatro mas daquilo que os corpos – dos performers e dos espectadores – podem (e têm e trazem). Normalmente a sombra indica-nos a presença da luz, o silêncio a presença do som e a ausência a presença do acontecido. Aqui, tudo se dá inversamente: a luz é que nos indica a sombra, o som o silêncio e a presença a ausência. Da sombra, do silêncio e da ausência, eis – para quem se pergunta – aquilo que esta peça trata.
Texto 2
Tornar-me coisa, duração, acontecimento.
Ser ocupado por um corpo. Manter-me ocupado com um corpo.
Desaparecer no óbvio. Reaparecer na ausência.
Após 8 anos de pausa, seria justo dizer que esta é a primeira peça de um novo ciclo. Pode ser que sim. Tudo indica que sim. Mas por enquanto o que sinto é que ela, mais do que abrir, encerra um ciclo que foi interrompido – abruptamente, por mim próprio – com o Para onde vai a luz quando se apaga?, último trabalho de grupo que fiz em 2007. E foi por sentir que o ciclo estava incompleto que me aventurei e voltei a perguntar (agora sem interrogar) O que fazer daqui para trás. Este trabalho ocupa por isso para mim, o lugar de intervalo criado pela dúvida sobre o que acontece quando a luz se apaga e a impossibilidade de resposta que ela carrega. O “para trás” do título não nos leva só a 2007. Leva-nos também a 1990, ano em que fiz a minha primeira peça de grupo, o Retrato da memória enquanto peso morto (mal tinha começado e já a memória me pesava) e que deu origem a esta aventura a que chamámos RE.AL. Nesta peça, o primeiro contacto que o público tinha com o espetáculo era através da projeção de um vídeo que ocupava uma parede enorme da sala que servia como antecâmara para o espaço do Convento do Beato onde os performers “faziam uma espera” aos espectadores. Nele podia-se ver o Nuno Bizarro a correr nas arcadas do Cabo Espichel, sem parar, para lado nenhum. 25 Anos depois continuamos a correr, só que agora existe um lugar onde queremos chegar: àquele ponto em que o corpo deixa de poder (de ter, de trazer), apresentando-se (oferecendo-se) vazio, aberto, presente. Numa palavra: potente.
João Fiadeiro, outubro 2015
Textos dos performers (nota: associar cada texto à fotografia de cada um dos performers, segundo a ordem que está na fotografia)
1
“Es que hay tanta cosa involuntaria aconteciendo hacia el interior, tanto que no controlo y que sucede apesar de mí… como un desfasaje. Y no sé si es que mi cuerpo está dividido o en verdad son dos cuerpos. Entonces la sensación que me produce es la de tener que llevarme a mí mismo, como cargándome sobre los hombros, y con mi propio peso encima, seguir avanzando para no quedar tirado en el suelo.”
2
“É como se deus fosse o motorista de um camião TIR e todos os dias ele descarregasse uma ou duas toneladas de pessoas às porta das cidades, lhes desse um saco de plástico com uma sandes de queijo lá dentro, um pacote de leite com chocolate, um ou dois guardanapos e lhes dissesse: sigam a vossa intuição.”
3
“Ali fora está tudo ligado por um fio. Um fio daqueles bem finos e delicados, quase transparentes. Aquela senhora ali, de saia cheia de flor e sapatos pretos, que diminuiu o passo para que eu pudesse atravessar a rua, está ligada a mim. E isso faz com que eu esteja ligada a todas as coisas que estão ligadas a ela. Eu estou ligada ao homem que vai ajudar a senhora a colocar os legumes dentro da sacola, daqui a pouco, no caixa do supermercado. E isso faz também com que todas as coisas que estão ligadas a ela, como o homem do supermercado, estejam ligadas a todas as coisas que estão ligadas a mim. Aquela vizinha que me emprestou açúcar durante os anos em que vivi no edifício verde da Rua Dr. Montaury, por exemplo, está ligada ao homem do supermercado. Eles nunca vão se conhecer, mas estão presos por um fio… Só que às vezes o fio se rompe, uma tesoura afiada vem e corta uma parte minúscula dele. Daí tudo, tudo mesmo, precisa se deslocar e encontrar seu novo lugar. Isso as vezes demora alguns segundos, e outras vezes demora uma vida toda.”
4
“I don’t know if you noticed, but today there were moments when we could see the sky. It’s quite beautiful, a very deep blue, a very particular blue. If we think of the world, there is only one world and there is only one sky. One thing I keep thinking about is, why is it that the blue isn’t the same everywhere? The blue here isn’t the same blue as it is in Montpellier, it’s not the same blue as it is in Naples or it’s not the same blue as it might be in the United States, or in other parts of the world. Why is it that even though it’s not the same blue it’s still the same sky? I read a newspaper article a few days ago that talks about a young boy from Pakistan who’s explaining that he no longer looks at the blue sky with joy because when the sky is blue the drones can fly more clearly. I can’t seem to think of a song that would talk about that type of blue. The U.S. has a song that talks about skies, it goes “blue sky, nothing but blue sky…” ”
5
“É isso: a fragilidade desse momento. A imagem que vocês formam para mim. Eu consigo ver que vocês estão aí e isso, tenho a certeza, não vai acontecer de novo. Não vai!”
Sinopse
Em muitos dos objetos artísticos de João Fiadeiro emerge um tempo circular, percebido pelo observador através do desvendamento de um processo que não para de acontecer: um acontecimento passado surge somente quando uma outra ação, um outro gesto, lhe sucede. Dar a ver esse mecanismo, que geralmente passa desapercebido pelo modo como tendemos a organizar os acontecimentos a partir de uma narrativa linear, tem sido um lugar de exploração privilegiada de João Fiadeiro.
Neste trabalho, Fiadeiro continua a explorar o “tempo” ao “mesmo tempo” que foca a sua atenção naquilo que fica e no que foi esquecido. É aí que vamos encontrar os vestígios que nos permitem dar início à impossível tarefa de reconstruir o mundo, uma e outra vez, numa fuga permanente para coisas que ainda não existem, para o que as coisas podem.