Giuseppe Chico e Barbara Matijevic
Bios
Barbara Matijević (Našice, Croácia, 1978) estudou dança em Zagreb e trabalhou com vários coreógrafos e companhias croatas. Terminada a licenciatura em literatura na Faculdade de Letras da Universidade de Zagreb, foi para Paris a convite de Boris Charmatz para, entre 2004 e 2005, participar no projeto pedagógico Bocal. Em 2005 trabalhou em Bruxelas com o ator Bruno Marino (DA-l’animal) e com o coreógrafo David Hernandez (Performance Hotel); em Zagreb, realizou o projeto interdisciplinar Photomorgana com os fotografos Igor Kuduz, Ana Opalić e Jasenko Rasol. Em 2006/07, entrou em Purgatory, de Joris Lacoste. De 2005 a 2008 colaborou com o realizador de cinema Esloveno Bojan Jablanovec. Em 2007 fundou, com Saša Božić, a companhia de facto e deu início à colaboração com Giuseppe Chico. Vive em Zagreb e ensina dança na Academia de Arte de Osijek, na Croácia.
Giuseppe Chico (Bari, Itália, 1974) iniciou-se no Teatro na infância, primeiro enquanto espetador de operetas, e depois, com 10 anos, em aulas no Teatro Abeliano Tina Tempesta e Antonella Porfido, em Bari. Depois de uma interrupção de vários anos durante os quais foi jogador professional de basketbol, Chico voltou ao teatro com o ator e encenador Robert McNeer, no teatro Kismet (Bari), tendo também colaborado com o cenarista Paolo Baroni. Em 2000 foi viver para Paris onde estudou dança e composição com João Fiadeiro, Vera Mantero, Julyen Hamilton, Mark Tompkins, Vera Orlock, Pooh Kaye, KJ Holmes e Olivier Besson. Dançou com a companhia Mille Plateaux Associés e colaborou com George Appaix, Anja Hempel e Magali Desbazeille. Em 2007 dançou em Purgatory, escrito e encenado por Joris Lacoste e começou a colaborar com Barbara Matjevic. Vive entre Paris, Bruxelas e Zagreb.
Folha de Sala
Entrevista com Barbara Matijevic e Giuseppe Chico, por Claire Counilh[i]
(…)
Claire Counilh: O vídeo e o ecrã ocupam um lugar particular em Forecasting, principalmente na relação que se cria com o individuo. Trata-se de uma visão do futuro ou de uma observação do presente?
Barbara Matijevic e Giuseppe Chico: Procurámos encenar um espaço-tempo suspenso entre dois regimes paralelos de perceção: o de uma realidade física e o do ecrã. Escolhemos o corpo do intérprete como lugar de encontro entre estes dois regimes: quando estes dois mundos colidem, o corpo encontra-se numa situação paradoxal. Torna-se um corpo duplo, composto a partir de uma combinação de meios que produz um efeito que ultrapassa a sua existência enquanto individuo. Ele é simultaneamente ele-mesmo e outras pessoas, está aqui e noutro lugar, presente e ausente. Está aberto a novas interpretações.
C.C.: Nesta perspetiva o individuo torna-se um ponto de passagem entre esses dois mundos que evocam: a realidade física e o ecrã? Como é que ele deve reagir nesta nova função que ocupa?
B.M. & G.C. : No jogo deste deslocamento corporal e espacial que encenámos não procurámos necessariamente produzir uma retórica de persuasão do espetador que indicasse o modo como este corpo deveria reagir… As ações dos corpos no ecrã não agem verdadeiramente sobre os corpos do intérprete, mas há neste jogo de como se um efeito interessante. Produz-se uma rutura ao nível da relação natural que liga causa e efeito. Esta rutura cria entre os corpos uma dinâmica à qual eles podem responder, adaptar-se à função que ocupam e aos seus destinos, mas podem igualmente perder-se, errar. Assim, o estomago de um corpo no ecrã torna-se a cabeça do intérprete, o texto de um vídeo é pronunciado pelo intérprete sobrepondo-se à ação de um outro vídeo, etc. É através desta multiplicação de (des)conexões que instauram esta relação entre os corpos que temos tecido os nossos cenários.
C.C. : Utilizam muitos vídeos provenientes do Youtube, como ilustração da desmultiplicação de histórias pessoais a favor de uma só História. Como é que trabalharam com esse instrumento?
B.M. & G.C. : De facto, para Forecasting utilizámos unicamente os vídeos amadores do YouTube. Passámos inumeráveis horas a procurá-los, a visioná-los, a triá-los. Antes de analisar cada um, era preciso que este fosse de boa qualidade e que correspondesse ao critério de escala 1:1. De seguida, testámos os encadeamentos entre eles e o tipo de narração que criavam. Foi um processo que se baseou muito no acaso – os vídeos que propunham as melhores soluções foram frequentemente encontrados por pura sorte… Estávamos fascinados pela qualidade flutuante desses vídeos, oscilando entre a banalidade das situações, movimentos e objetos quotidianos e a possibilidade da sua transformação em ferramentas de narração de si-mesmo. Há um potencial enorme nesta coletivização de saberes, com as obsessões e as possibilidades que daí resultam…
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C.C. : A ancoragem do nosso corpo no mundo deve evoluir em função do progresso tecnológico ?
B.M. & G.C. : É impossível negar o facto de que a tecnologia não muda somente o mundo, mas também os nossos corpos nesse mundo. (…) Poderíamos dizer que o fluxo da internet está agora no nosso sangue e que é preciso aprender a viver com isso. Depois de anos de cliques em interfaces, os objetos no mundo real não são mais os mesmos. Pensamos que o teatro deve ter em consideração o modo como a tecnologia está a reescrever os nossos corpos, a nossa compreensão da narração, a nossa relação com a cultura e a nossa perceção da presença.”
[i]Excerto de entrevista realizada por Claire Counilh, para o Festival de Outono em Paris, 2012, traduzida da língua francesa e disponível em http://www.premierstratageme.net/un-texte/.
Inserido no Festival Temps d’Images Lisboa 2015
Sinopse
Forecasting parte de uma coleção de vídeos amadores recolhidos no YouTube. A performance utiliza este material para desencadear uma ficção, que nasce do encontro do mundo virtual com a experiência real. No palco, uma performer manipula um computador portátil no ecrã do qual são mostrados vídeos selecionados de forma a ir ao encontro da escala humana. Deste simples ato surge um conjunto de deslocamentos espaciais e temporais. O ecrã transforma-se no lugar de interseção do corpo do performer com o mundo bidimensional das imagens que representam outras pessoas, outros lugares. O resultado é uma experiência híbrida vertiginosa, uma zona indeterminada informada pela própria natureza dos vídeos, que vai da banalidade dos movimentos, dos objetos e das situações quotidianas, à possibilidade da sua transformação em novas ferramentas narrativas.