The Drive For Impulsive Actions
Folha de Sala
On the drive for impulsive actions /
/ Sobre a força motriz para ações impulsivas e outros comportamentos socialmente contagiosos
Os insetos e outros pequenos invertebrados são uma fonte de fascínio e de brincadeira para as crianças. Por vezes são uma oportunidade de observar comportamentos e lógicas desconhecidos, assistir a narrativas animadas em cujo desenrolar nos podemos atrever a interferir. Noutras ocasiões palco de experiências que se estendem do lúdico ao sádico. Sem grandes consequências. Sem problemas. Arrancar asas a moscas, fazer corridas de caracóis, jogar ao berlinde com bichos de conta, alagar formigueiros ou esturricar formigas são só alguns dos exemplos possíveis. Para além da escala, na maioria das vezes inofensiva, e do elevado número de espécimens, há ainda o fator de aparente inferioridade intelectual (pelo menos se considerado cada espécimen individualmente) que nos liberta das consequências (frequentemente desastrosas para os pequenos intervenientes) destas brincadeiras. Esta inferioridade, em que também se supõe uma falta de consciência individual parece sublinhar a diferença da nossa condição. Pensante, auto consciente, reflexiva. Capaz de antever e planear acontecimentos e também de refletir sobre eventos passados. De elaborar e relacionar. E de não sermos simplesmente reativos como consideramos serem os nossos companheiros de brincadeiras de infância. Mas há ações nossas que não se enquadram nesta visão “racional” que temos de nós próprios. Há inúmeras patologias psíquicas, sim, mas também outras ações que não são necessariamente excecionais. Nem em frequência nem em importância. Rir, sorrir, suspirar, chorar, bocejar são disso exemplos. Já agredir ou até mesmo matar serão casos mais extremos e em que a componente intencional pode estar presente em maior ou menor medida. Mas há um fator acrescido que de algum modo desfaz a imagem “racional” que associamos à natureza humana. O fator de potencial contágio social que quase todas estas ações incluem. Dependendo da ação e do contexto em que surgem, com consequências ora benéficas, ora nefastas, ora nem boas nem más. Mas são ainda assim contagiosas. Não por qualquer acordo verbal ou escrito, nem por consentimento já que tantas destas ações dependem da espontaneidade para que possam acontecer. Em alguns casos com uma função social menos enigmática noutros simplesmente misteriosa (i.e. bocejar). E calculo que muitos outros exemplos se poderiam citar mas serão suficientes estes para nos fazer dialogar, gozar, rir, frustar da nossa racionalidade ou da ausência dela, quer individual quer coletiva. E da nossa capacidade de sermos expressivamente descontrolados ou contraditórios. E de o fazermos simultaneamente de uma forma empática, mímica, social.
Scarites cyclops
Inseto coleóptero, predador, habita Portugal, Espanha e Marrocos. Em Portugal encontramo-lo em zonas arenosas e salgadas no Algarve (Ria Formosa) e em Sintra. Vive até cinco anos. Cava túneis onde se resguarda e de onde sai para encontrar alimento. Escava com a cabeça com a qual varre a areia excedente para fora do seu túnel. Deteta as suas presas, geralmente outros insetos, através de informação táctil captada pelas suas antenas. A sua visão é primitiva. Persegue as presas e com as mandíbulas em forma de pinça, tritura o corpo para se alimentar das partes moles.
Cicada orni
Com 25 a 28 mm, vive nos bosques coníferos ou mistos, aparecendo entre finais de verão e início do outono.As ninfas vivem debaixo da Terra, sugando as raízes dos pinheiros e levam 3 anos a atingir o estado adulto.Os adultos surgem em simultâneo cobrindo quase por completo as árvores e os arbustos das zonas onde habitam.Os machos “cantam” contraindo e descontraindo rapidamente uma membrana em forma de timbale amplificada por sacos de ar no interior do corpo.
por António Marques
Riso
O riso é uma parte do comportamento humano que é intrinsecamente contraditória. Porque pode ter origem em situações tanto positivas como negativas. Pode advir de um estímulo físico, de uma história, situação, episódio cómicos mas também de uma situação embaraçosa ou até ser provocada pela imposição de inibição de riso. Porque tanto serve uma ocasião de comunhão de espírito positivo como para atenuar situações de conflito, ou permite articular os papéis diversos que vários indivíduos representem em determinado contexto. O riso é também inevitavelmente um fenómeno espontâneo. Um riso tentado ou forçado não oferece dúvidas em relação à sua veracidade por quem o executa. Já o facto de ser socialmente contagioso pode ter como função a empatia através de um comportamento “espelhado” no qual se responde a um estímulo agindo em concordância. Este tipo de resposta comportamental é também encontrado noutras ações como o choro e o sorriso.
Suspirar
O suspiro aparece relacionado tanto no senso comum como na literatura científica com o aliviar. De tensão tanto física como psicológica. E não tendo o caráter contagioso do riso, do sorriso, do choro ou do bocejo, é um evento que informa do estado de espírito de quem o produz e afeta o contexto em que é produzido. Segundo testes clínicos, o suspiro espontâneo é precedido de uma atividade respiratória irregular e sucedido por uma atividade respiratória regular restabelecendo uma ordem que se havia perdido. Já o suspiro provocado tem consequências opostas do espontâneo tornando irregular o ritmo respiratório.
Bocejo
O bocejo está presente em espécies provenientes das mais diversas famílias do reino animal. Desde diversos peixes a répteis de que serão exemplo tartarugas, cobras de água ou crocodilos, aves como a avestruz, anfíbios tais como sapos e rãs e variados mamíferos, com especial incidência nos mamíferos carnívoros. Várias hipóteses têm sido levantadas quanto à função do bocejo: alteração do fluxo sanguíneo cerebral, aumento do nível de oxigénio no sangue, regulação da pressão no ouvido interno, regulação do funcionamento das amígdalas, ou, talvez a tese mais aceite atualmente, como meio de nos mantermos despertos; ou, pelo menos, um nível geral de atenção mínimo. Quanto ao óbvio fator contagiante do bocejo, seja porque vemos, ouvimos, lemos ou simplesmente pensamos em bocejar, não há ainda conclusões.
Episódio Rua Conde Almoster
Há alguns anos houve uma notícia que me chamou a atenção. Na Rua Conde Almoster, em Lisboa, dois condutores envolvem-se numa troca de palavras por volta da hora de jantar num dia de semana. A razão da altercação, uma questão de trânsito. A questão específica que originou a troca de palavras é pouco importante para o que se segue. Relevante é que, depois de um crescendo de dramatismo no discurso, um dos condutores pega numa arma de fogo e dispara sobre o outro condutor. Que arma era e se a transportava consigo ou no carro é irrelevante para o caso. Factual é que o condutor baleado morreu. E que o autor do disparo segurando o ferido nos braços lhe dirigia o lamento – eu não queria fazer isto… Para além do sentimento de vulnerabilidade que me assolou, porque foi algo que aconteceu a uma hora do dia insuspeita e num local familiar, a desproporção entre a origem do evento e as suas consequências… imensas e definitivas, pareciam absurdas. Para os implicados e para todos os que faziam parte do contexto de cada um dos implicados. Famílias, tanto ascendentes como descendentes, talvez crianças, empregos, colegas, amigos. O grau de premeditação que o facto de se transportar uma arma de fogo implica por si só não sei em que medida é mensurável. Mas o momento em que se obedece ou contraria o impulso de disparar existiu e dele dependeu tanto que não deixa de me espantar o que lhe seguiu.
Menores 30 anos: 5€
Sinopse
Rir, sorrir, bocejar, suspirar, mover, lutar e, até, matar fazem parte de um repertório humano de comportamentos contagiosos que acabam por ser bem mais irracionais do que gostaríamos de considerar. No entanto, exibimo-los e participamos neles diariamente, sem pudor, em qualquer lugar, em todos os lugares. Nesta peça em estreia ao vivo, Eduardo Raon utiliza a harpa, o daxophone (instrumento inventado por Hans Reichel), computador e vídeo para uma performance sobre ações impulsivas — humanas e não só —, gestos involuntários socialmente virais, atuações irrefletidas, atitudes imponderadas e ruídos orais pouco conscientes. A compreensão global desta obra, que por estes dias será editada pela portuguesa Shhpuma, revelar-se-á no diálogo e choque entre música e vídeo, entre sons e imagens. Mas também entre a geometria da partitura e o sentido de improvisação livre de Raon. E não será essa dicotomia a melhor ilustração da carga ambivalente dos nossos impulsos, controlados porém livres? Habituado a não ter os dois pés num mesmo chão, Raon opta por se especializar num instrumento de simbolismo irremediavelmente clássico para o subverter por completo em composições experimentais. É também de eletrónica que a sua harpa é feita e o seu discurso ganha uma originalidade rara.
Radicado em Liubliana, Raon tem trabalhado intensivamente entre Portugal e a Eslovénia, compondo regularmente para cinema, animação, teatro, dança e instalações. Foi convidado para as recentes digressões de I-Wolf e Maria João & Mário Laginha, e já estreou composições de Joana Sá (com quem tem o projeto Powertrio), João Lucas, Eurico Carrapatoso, Clotilde Rosa, Ivan Moody ou Eli Camargo.